15 enero, 2003

Três Detidos em Moçambique por Suspeita de Tráfico de Órgãos

Três pessoas foram detidas, anteontem, em Manica, Moçambique, no seguimento das investigações da Procuradoria-Geral da República sobre tráfico de órgãos humanos naquele país, noticiou a RDP África. Estas detenções foram confirmadas pelo procurador-geral da República, Joaquim Madeira, em entrevista concedida, ontem, à televisão de Moçambique (TVM).

Joaquim Madeira reconheceu que o tráfico de órgãos humanos "é uma realidade em Moçambique e apelou à sociedade para "cerrar fileiras" na luta contra este crime que envolve "cidadãos nacionais e estrangeiros".

Segundo o procurador-geral da República, as investigações sobre casos de crianças que teriam aparecido mortas e sem alguns órgãos, nos últimos meses, em Nampula (casos denunciados por uma missionária brasileira) levaram ao conhecimento de situações semelhantes em outras zonas de Moçambique.

Concretamente citou o caso de um rapaz a quem foram amputados os órgãos genitais, em Chimoio, no centro do país. E adiantou que as investigações decorrem nas províncias de Manica, Maputo e Nampula onde as principais suspeitas recaem sobre um sul-africano e uma norueguesa, actualmente em liberdade condicional.

No âmbito dessas investigações, o ministério moçambicano da Saúde já nomeou um médico legista para proceder à exumação dos corpos, de forma a detectar sinais de crime.

Em declarações à RDP África, a missionária Elilda dos Santos - que denunciou a situação à Liga dos Direitos Humanos após ter investigado as circunstâncias em que oito crianças foram encontradas mortas -, afirma que os familiares das vítimas têm sido ameaçados tanto por
quadrilhas que cometeram raptos, como por elementos da própria Polícia de Investigação Criminal.

O clima que agora se vive em Nampula é de "medo", refere a religiosa.
Segundo afirma, a polícia local chega a convocar familiares das vítimas à esquadra, onde os ameaça na presença dos próprios responsáveis pelos raptos. Elilda dos Santos afirma ainda que o problema do tráfico de órgãos já existe em todo o país e que os "cabecilhas" desta rede internacional recrutam moçambicanos pobres para raptar crianças, filhos de vizinhos e até seus próprios familiares.

Durante as investigações desenvolvidas pela Procuradoria-Geral da República foram, entretanto ouvidas várias pessoas. Testemunhos que a RDP África diz também ter recolhido e que confirmam o surgimento de cadáveres já sem língua, olhos e outros órgãos.

O chefe de posto de Nampula tem, entretanto, sido alvo de várias críticas por parte da população, por mandar enterrar os mortos sem a realização de autópsias que possibilitassem apurar as causas de morte.

Entretanto, o jornal moçambicano "Savana", na sua edição do passado dia 13, num artigo intitulado "Muito fumo e boataria" questiona a veracidade das denúncias de tráfico de órgãos em Moçambique, analisando factores de ordem cultural que poderiam influenciar a realidade. Essa reflexão parece, no entanto, estar agora ultrapassada face às declarações do procurador-geral da República.
PUBLICO
Por PAULA TORRES DE CARVALHO
Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2004

01 enero, 2003

Espinhos da Micaia

Nebulosa

Por Fernando Lima

Nas últimas semanas tenho escutado com regularidade em rádios estrangeiras, a voz alterada do que penso ser uma brasileira, denunciando hediondos crimes em Nampula.

Segunda a senhora, crianças, sobretudo crianças, são esventradas para lhes retirarem orgãos vitais que depois são comercializados internacionalmente.

Na última comunicação da senhora, ampliada por uma intensa troca de mensagens por correio electrónico, dizia estar escondida algures com cinco crianças e que a polícia estava a tentar levar uma delas, subentendendo-se que a corporação é pelo menos cúmplice de tão monstruosa operação. Não sei a que ordem religiosa pertence. O convento onde se abriga também não está claramente identificado.

Todos sabemos das maleitas da nossa polícia, dos bandidos fardados que nos assaltam diariamente. Este facto contudo não me dá o direito de pensar que a corporação é parte de uma rede de tráfico de crianças e orgãos humanos. Nestes termos, cada vez que falo com o comandante Miguel dos Santos ou com o Dr. Nataniel Macamo ter-me-ia de pôr em sobreaviso sobre os nefandos e inconfessáveis mistérios que escondem as suas missões na polícia.

Do que me é dado a ver, o desempenho do Dr. Abdul Razak como governador de Nampula, embora passível de críticas, aliás como todos nós, parece-me uns furos acima da média nacional. Não faço dele um sucedâneo de um barão colombiano, nem os seus equivalentes nigerianos e congoleses. Ouvir uma voz desbragada pela rádio sugerir que o governador é cúmplice do tráfico de crianças não deixa de me incomodar.

Eu sei que para além da súbdita brasileira, há o bispo Jaime Gonçalves que solicitou os ofícios de sua excelência, há a preocupação da inefável Dra. Alice Mabote e a intervenção televisiva do procurador Joaquim Madeira, citando também as preocupações do líder (não sei se dos católicos, da IURD ou da meditação transcendental).

Para além da mediatização destas e outras pessoas bem colocadas, pouco me foi mostrado das verdadeiras evidências sobre as monstruosidades que estão a acontecer em Nampula. Os técnicos do hospital que falaram com jornalistas não dão garantias que os corpos encontrados tenham sido amputados. Os responsáveis dos bairros (possivelmente comprados pela rede) dizem que só ouviram falar. Não há nomes, famílias, datas, lugares, para além do famigerado terreno perto do aeroporto onde um macabro sul-africano(branco) e os seus cães se dedicam a práticas inqualificáveis com a cumplicidade do governador, polícias, juizes, jornalistas, etc.

Quando foi cometido o massacre de Montepuez, uma das poucas vozes lúcidas no meio das acusações e contra-acusações sobre as responsabilidades na mortandade, foi a da Liga dos Direitos Humanos. Era um relatório redigido de forma algo tosca, mas que apresentava factos. Factos que nem políticos, nem os habituais escribas a soldo tinham conseguido até então explicar. Continua a ser o melhor documento, pesem os milhões gastos numa controversa missão da Assembleia da República ao local do crime. Todos ficaríamos imensamente gratos se a Liga pudesse de novo, politizações à parte, prestar um serviço de cidadania, apresentando-nos com isenção factos sobre os alegados infanticídios que estão a ocorrer em Nampula.

É que teorias conspirativas todos temos.

Será tudo isto uma luta de terrenos ? Uma cruzada religiosa contra o agnóstico governador de Nampula, mas que é apresentado como islâmico ? Ou querem-nos desviar para Nampula enquanto em Maputo (e noutros sítios) a elite político-económica se banqueteia com os despojos do legado estatal ?

Nesta nebulosa todas as teorias são possíveis.

Pelas crianças, pelas famílias mais intranquilas, temos o direito a saber algo mais que declarações de gravata e batina.
Savana Maputo 16.01.03